Comissão
aprovou projeto de lei que só veta agrotóxico se risco for 'inaceitável'.
Anvisa questiona falta de detalhamento da lei e relator compara produtos à
cafeína
Potencial cancerígeno,
desregulação dos hormônios, ativação de mutações e danos ao aparelho reprodutor
são problemas provocados por nove agrotóxicos atualmente proibidos pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O órgão usa a lista com os efeitos e
os nomes desses produtos para apontar o impacto que pode provocar uma eventual
aprovação do projeto de lei que busca flexibilizar a Lei dos Agrotóxicos em
tramitação no Congresso.
Anvisa alega que
a nova lei proposta estabelece que só devem ser proibidos agrotóxicos cuja avaliação
apontem que eles têm "risco inaceitável". Mas as nove substâncias
vetadas usadas por ela como exemplo (Endossulfam, Cihexatina, Tricloform,
Monocrotofós, Pentaclorofenol, Lindano, Metamidofós, Parationa Metílica e
Procloraz) são consideradas de difícil avaliação. O órgão diz que em apenas uma
delas foi possível determinar uma dose segura para uso, mas o uso desse mesmo
produto - Cihexatina - já foi considerado inaceitável em seis países.
Com a meta de
desburocratizar e acelerar o registro, o novo projeto de lei concentra a
aprovação no Ministério da Agricultura e prevê a liberação de registros
temporários, mesmo sem a conclusão da análise de órgãos reguladores. Por isso a
Anvisa teme até mesmo que fabricantes dos nove produtos proibidos ou de outros
com problemas similares usem a flexibilização da lei para conseguir que eles
sejam usados nas lavouras.
Agrotóxicos
proibidos pela Anvisa (2009-2015)
Substância
|
Uso
|
Análise
|
Há
avaliação de risco ou dose segura?
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1)
Endossulfam
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Cacau,
algodão, cana de açúcar, café, soja, etc.
|
É
tóxica ao sistema neurológico, ao sistema imune, à reprodução e desregula
hormônios
|
Não
|
2)
Cihexatina
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Maçã,
morango, pêssego, café e berinjela
|
Toxicidade
aguda. Pode desencadear problemas de visão e é tóxica à reprodução e ao desenvolvimento
|
Sim,
mas produto foi considerado inaceitável em 6 países
|
3)
Tricloform
|
Algodão,
feijão, abacaxi, alface, abóbora, amendoim, arroz, banana, brócolis,
couve-flor, figo, goiaba, maçã, manga melancia, melão, tomate, trigo, pepino,
pimentão, repolho, etc.
|
Tóxica
para genes, para o sistema neurológico e para o sistema imune. Danos
neurológicos em humanos maiores do que demonstrados em animais
|
Não
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4)
Monocrotofós
|
Amendoim,
batata, feijão, etc.
|
Ausência
de dossiê toxicológico que suporte o registro do produto
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Não
|
5)
Pentaclorofenol
|
Tratamento
de madeiras recém-cortadas para combater fungos que causam manchas
|
Tóxica
ao fígado, aos rins, desregula hormônios e fica muito tempo no meio ambiente
|
Não
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6)
Lindano
|
Usado
na preservação de madeiras compensadas em serradas
|
Apresenta
potencial cancerígeno, é tóxica ao fígado, aos rins e fica muito tempo no
meio ambiente
|
Não
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7)
Metamidofós
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Algodão,
amendoim, batata, feijão, soja, tomate para uso industrial e trigo
|
Tóxica
ao sistema imune, ao sistema neurológico, à reprodução e desregula hormônios
|
Não
|
Algodão,
alho, arroz, batata, cebola, feijão, milho, soja e trigo
|
Tóxica
ao sistema imune, ao sistema neurológico, desregula hormônios, pode levar a
mutações e é tóxica à reprodução. Danos neurológicos em humanos maiores do
que os demonstrados em animais
|
Não
|
|
9)
Procloraz
|
Tomate,
cebola, cenoura, melancia, etc.
|
Provoca
distúrbios hormonais e danos ao aparelho reprodutor
|
Não
|
Fonte: Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)
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Critério
de risco
O projeto de lei (PL)
6299, de 2002, é de autoria de Blairo Maggi (PP), atual ministro da
Agricultura. Segundo o deputado Luiz Nishimori (PR), relator do PL, o critério
de risco inaceitável será determinado pela Anvisa e pelo Ibama, de acordo com
os artigos 6º e 7º da nova lei. Ele diz ainda que o Brasil seguirá outros
países em que estudos laboratoriais estipulam quais os limites de ingestão
diária das substâncias.
"As análises de
Limite Máximo de Resíduos (LMR) e Ingestão Diária Aceitável (IDA) de cada
substância seguem protocolos internacionais de segurança que continuarão sendo
obedecidos na nova legislação. Se um produto for submetido à avaliação de
risco, e Ibama, Anvisa ou MAPA identificarem um risco inaceitável, não será
liberado para a comercialização".
Apesar de condicionar a
aprovação ao aval dos órgãos reguladores, a perspectiva do relator do projeto é
criticada por opositores que chamam a medida de "PL do Veneno" e pela
própria Anvisa.
A Anvisa considera que
uma substância será proibida caso não seja possível estabelecer qual a dose
segura para o consumo. Nesses casos, diz a agência, "o risco é sempre
inaceitável".
Para a agência,
contudo, o projeto dá margem para que essas substâncias sejam autorizadas do
jeito que o projeto está - e, por esse motivo, é necessário que o tema seja
regulamentado, com detalhamentos mais exatos.
"Em termos gerais,
o PL estabelece que poderão ser registrados produtos que possuem
características de mutagenicidade, carcinogenicidade, teratogenicidade,
desregulação endócrina, que causem dano ao aparelho reprodutor e, ainda, que
sejam danosos ao meio ambiente", disse a Anvisa.
Novo
ponto de corte
Segundo Cláudio
Meirelles, pesquisador da Fiocruz, que esteve à frente da Gerência Geral de
Toxicologia (GGTOX) da Anvisa por 14 anos, a nova lei tira "um ponto de
corte" que a atual legislação tem.
"A atual lei
estabelece o seguinte: se tem o potencial de causar câncer, tem de tirar do
mercado. Esse é o critério do perigo. Há um ponto de corte claro aí. Para o
gestor, isso é impeditivo de registro" - Luiz Cláudio Meirelles (Fiocruz).
"O que a nova lei
pretende é estabelecer um novo critério: o de avaliação de risco, o que deixa
tudo no vácuo. Há uma tentativa aí de fazer esgotar ao máximo todos os estudos
e aceitar o risco já colocado em estudos experimentais", conclui o
pesquisador.
Para Meirelles, na
prática, a nova lei aceita o risco porque é impossível avaliar em humanos se a
substância A causou o câncer B.
"Além de ser
totalmente inaceitável e antiético fazer um estudo desse em humanos, mesmo com
estudos epidemiológicos, a gente sabe o quanto é difícil essa briga. Só ver o
caso do tabaco e do amianto. E a gente não tá falando de uma substância.
Estamos falando de 500."
Outro ponto é que a
avaliação de risco, nesse caso, seria teórica e baseada em modelos matemáticos.
"Eu estabeleço
ali, por exemplo, que ao colocar um item de segurança Y, é possível reduzir o
risco em X% a cada 1000 mil pessoas, por exemplo. Mas trabalhar com um critério
matemático desses, em produtos potencialmente cancerígenos, é muito
complicado."
Meirelles pontua que,
nesse momento, "só Deus sabe o que vai acontecer com essas
substâncias" em que não é possível fazer uma avaliação de risco por não
haver limiar de dose.
"Um complicador é
que a nova lei tira o poder de veto da área da saúde e do meio ambiente. O
risco é sempre indesejado. A gente tem sempre de evitar. É uma questão de
princípio."
O relator da nova lei
discorda. Nishimori diz que ela seguirá protocolos internacionais de segurança
com parâmetros que são estabelecidos por estudos laboratoriais para determinar
o que seria uma "dose segura".
"Funciona como nos
medicamentos. Existem vários remédios que trazem na bula a informação de que
são teratogênicos ou carcinogênicos e, apesar disso, são receitados pelos
médicos e utilizados pelos pacientes, como a isotretinoína (Roacutan), o
metronidazol ou a azatioprina. Em atenção às recomendações de dosagem e
periodicidade prescritas, as substâncias são seguras, cumprem o efeito esperado
e os riscos estarão controlados" - Nishimori
"Substâncias do
nosso cotidiano, como cafeína e aspartame, se consumidas inadequadamente,
também podem ter potencial cancerígeno e nem por isso são proibidas",
defende o relator do projeto.
Mudanças
previstas no PL 6299/2002
APROVAÇÃO - O processo
de aprovação de agrotóxicos passará a ser concentrado em só uma entidade ligada
ao Ministério da Agricultura. Hoje ele tramita em paralelo em três órgãos:
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Ministério da Saúde e do
Ministério da Agricultura.
ANÁLISE DE RISCO -
Empresa dona do produto deve apresentar estudo. Produtos com "risco
aceitável" devem ser aceitos.
LICENÇAS TEMPORÁRIAS -
Lei prevê liberar licenças temporárias. Hoje, processo de liberação regular
pode levar até oito anos.
NOMENCLATURA - Passará
a ser usado os termos "defensivos agrícolas" e "produtos
fitossanitários" no lugar de "agrotóxico".
G1
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