Presidente da Sociedade
Brasileira de Virologia acredita que, em um ou dois anos, doença que pode
causar dor crônica durante meses terá um pico de infestações
Não
é fake news para alarmar a população. O alerta vem do presidente da Sociedade
Brasileira de Virologia, Maurício Lacerda Nogueira. "Nós já vivemos a
tempestade perfeita da zyka. Nós ainda vamos viver a tempestade perfeita da
chikungunya. Não há nada que a gente possa fazer para evitar, mas podemos mitigar",
garante.
Para
Nogueira, que é professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto
(Famerp), o pico da epidemia da doença que se caracteriza por espalhar dores
fortes por todo o corpo deve ser atingido no ano que vem. "Ou é isso, ou
será no próximo ano", garante. Ele delimita os locais que serão mais
atingidos: o Nordeste e a faixa de litoral de toda a Região Sudeste, inclusive,
claro, o Estado do Rio. A estimativa é que, no Brasil, até 75 milhões de
pessoas vivam em áreas classificadas pelos especialistas como de alto risco
para a propagação da doença.
Sem
a propensão de levar à morte, como acontece com a dengue, a chikungunya se
manifesta em uma fase aguda rápida, que provoca febre alta e dor nas juntas,
seguida por uma fase crônica que pode se tornar ainda mais torturante. As dores
no corpo se estendem por meses - em alguns casos, até por dois anos - e, nos
momentos mais críticos, podem impedir os portadores de exercer atividades
cotidianas e profissionais.
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Uma das
dificuldades para o combate à chikungunya é a própria dificuldade do
diagnóstico, já que a moléstia se assemelha muito à dengue e à zika que, ao
lado da febre amarela, formam o time principal das arboviroses - as
enfermidades transmitidas por mosquitos. "São doenças febris agudas, parecidas
com a gripe. As pessoas apresentam exantemas (vermelhidão na pele), cefaleia
(dor de cabeça), mialgia (dor muscular). Só o diagnóstico molecular permite
diferenciar um caso do outro. Mas esse exame é caro. Então, temos que tratar
todos os pacientes como se fosse dengue, porque a dengue mata, e mata rápido, o
que não é o caso do zyka e da chikungunya", alerta Nogueira.
O especialista
lembra que há a tendência entre os médicos de tentar identificar a chikungunya
com base na avaliação dos sintomas (diagnóstico clínico). "Isso não
funciona", adverte. No entanto, ele diz que o surto epidemiológico das
doenças causadas por mosquitos entre 2015 e 2017 no país levou a um aprendizado
que vai ser útil no novo surto que prevê "A gente pode ter dificuldades,
algumas demoras, mas o sistema de Saúde do Brasil já sabe tratar dessas
doenças".
Dores crônicas
As dores crônicas
ligadas à chikungunya ainda precisam ser estudadas com a devida profundidade,
como afirmou a pesquisadora Gabriella Maria Pitt Gameiro Sales em artigo recente
publicado sobre o tema na Revista da Associação Médica Brasileira. "Quando
as manifestações da chikungunya se tornam crônicas, quanto mais tempo duram,
mais complicações surgem", advertiu.
A poliartralgia
bilateral, como é chamado o mal que acomete os portadores da chikungunya na
fase crônica, vem sendo tratada com anti-inflamatórios (esteroides ou não),
imunossupressores e homeopatia. O uso de fisioterapia também é indicado em
muitos casos.
O surgimento ou
ressurgimento da chikungunya e de outras doenças transmitidas por mosquitos
pode estar relacionados com a mudança climática global. Mas também são
condicionados por variáveis como a adequação de instalações sanitárias, a
disponibilidade ou não de água canalizada e o destino do lixo produzido nas comunidades.
No fim, a única estratégia eficiente continua sendo tentar impedir os mosquitos
de se reproduzirem.
Coordenadora do
Projeto Aedes Transgênico (PAT), Margareth Capurro lembra que o convívio com o
Aedes aegypti e a dengue nas cidades vem de longe. "O que mudou nos anos
recentes foi que entraram dois vírus novos: o zika e a chikungunya. E, no país,
nenhum humano havia tido contato anteriormente com esses vírus. A situação era
favorável para que houvesse uma explosão de ocorrências da doença e, em seguida,
uma diminuição - que foi exatamente o que aconteceu", diz a professora no
Departamento de Parasitologia da Universidade de São Paulo (ICB-USP).
No entanto, a
chikungunya ainda não chegou a contaminar tantas pessoas para que aconteça um
refluxo mais duradouro. "Hoje, vivemos uma situação em que todos os
lugares do mundo se tornaram muito próximos. Milhões de pessoas estão indo e
vindo a todo momento. E, eventualmente, algumas delas chegam doentes. No caso,
chegaram trazendo vírus que encontram uma situação extraordinária para se
propagar: uma população ainda não atingida e um país infestado de
mosquitos", diz Maurício Lacerda Nogueira, para explicar o mecanismo que
ele afirma que vai se repetir com a chikungunya em breve.
Controlar o Aedes
aegypti ainda é um desafio enorme. "São necessárias políticas públicas,
engajamento da população e adoção de várias estratégias de combate: inseticidas
e introdução de mosquitos transgênicos", diz Jayme Augusto de Souza-Neto,
professor da Unesp.
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