Mais
politizado, divertido e atrapalhado de todos os tempos, o Oscar 2017 culminou
sua noite, após discursos e piadas disparadas na direção de Donald Trump,
premiando o filme errado.
No melhor
estilo Miss Universo, só após os agradecimentos dos produtores de “La La Land”
veio a correção. O vencedor do Oscar de Melhor Filme não foi o anunciado por
Warren Beatty e Faye Dunaway. O próprio Beatty explicou ao microfone que tinham
recebido o envelope errado, que premiava Emma Stone por “La La Land”. E foi o
nome do filme da Melhor Atriz que Dunaway anunciou.
O que deve dar
origem a uma profusão de memes e piadas foi, na verdade, quase um ato falho.
Enquanto a falsa vitória de “La La Land” foi aplaudidíssima, a verdadeira
vitória de “Moonlight” foi um choque.
De pronto, foi
um prêmio para o cinema indie. Um dia antes, “Moonlight” tinha vencido o Spirit
Awards, premiação do cinema independente americano. Rodado por cerca
de US$ 5 milhões, o filme fez apenas US$ 22,2 milhões nos EUA e jamais venceria
um concurso de popularidade.
Pelo conjunto
da noite, sua vitória também representou um voto de protesto. Menos visto pelo
grande público entre todos os candidatos, era o que representava mais minorias:
indies, pobres, negros, imigrantes, latinos e gays. Para completar, o ator
Mahershala Ali, que venceu o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por seu micro
papel de traficante cubano radicado em Miami, é muçulmano na vida real.
Ao todo,
“Moonlight” levou três Oscars. O terceiro foi de Melhor Roteiro Adaptado,
dividido entre o cineasta Barry Jenkins e Tarell Alvin McCraney, autor da
história e da peça original.
“La La Land”,
porém, venceu o dobro de prêmios: seis ao todo. Entre as conquistas do musical,
a principal foi tornar Damien Chazelle o diretor mais jovem a ganhar um Oscar,
aos 32 anos de idade. Além disso, Emma Stone venceu como Melhor Atriz.
“Manchester à
Beira-Mar” e “Até o Último Homem” se destacaram a seguir, com dois Oscar cada.
Enquanto o filme de Mel Gibson levou prêmios técnicos, o segundo drama indie
mais premiado da noite rendeu uma discutível vitória de Casey Affleck como
Melhor Ator e a estatueta de Melhor Roteiro Original para o cineasta Kenneth
Lonergan.
Viola Davies
confirmou seu favoritismo como Melhor Atriz Coadjuvante por “Um Limite Entre
Nós”, além de ajudar a demonstrar como o Oscar se transformou com as mudanças realizadas por sua presidente reeleita Cheryl Boone Isaacs, que alterou o quadro de eleitores,
trazendo maior diversidade para a Academia. Após um #OscarSoWhite 2016 descrito francamente como racista pelo
apresentador Jimmy Kimmel, na abertura da transmissão, a Academia premiou
negros como atores, roteiristas e até produtores.
Mas o recado
foi ainda mais forte, ao premiar os candidatos com maior potencial de
dissonância, especialmente aqueles ligados aos países da lista negra de Donald
Trump. O diretor inglês de “Os Capacetes Brancos”, Melhor Documentário em
Curta-Metragem, sobre o trabalho humanitário em meio à guerra civil da Síria,
generalizou em seu agradecimento, mesmo tendo seu cinematógrafo impedido de viajar aos
EUA para participar do
Oscar. Já o iraniano Asghar Farhadi, que venceu seu segundo Oscar de Melhor
Filme em Língua Estrangeira com “O Apartamento”, foi na jugular. Sua ausência
já era um protesto em si contra o que ele chamou, em texto lido
por seus representantes, ao
“desrespeito” dos EUA. “Minha ausência se dá em respeito aos povos do meu pais
e de outros seis países que foram desrespeitados pela lei inumana que bane a
entrada de imigrantes nos Estados Unidos”. Foi bastante aplaudido.
Interessante
observar que, apesar do clima politizado manifestado por meio da seleção de
vencedores, apenas os estrangeiros e Jimmy Kimmel fizeram discursos
contundentes. Os americanos sorriram amarelo e agradeceram suas mães, enquanto
artistas de outros países provocaram reações pontuadas por aplausos com suas
declarações contrárias à política internacional americana. Até Gael Garcia
Bernal, convidado a apresentar um prêmio, deixou seu texto de lado para se
manifestar “como mexicano”.
Menos
evidente, mas igualmente subversivo, foi o fato dos serviços de streaming e a
TV paga terem se infiltrado na premiação. Assim como aconteceu no Globo de Ouro,
Jeff Bezos, dono da Amazon, ganhou destaque e propaganda gratuita (será?) do
apresentador no discurso de abertura. A Amazon produziu um dos filmes
premiados, “Manchester à Beira-Mar”, e foi a distribuidora oficial de “O
Apartamento” nos EUA – filme que, prestem atenção, não entrou em circuito
comercial nos cinemas americanos. A Netflix também faturou seu Oscar por meio
de “Os Capacetes Brancos”, que – prestem mais atenção – é inédito nos cinemas.
Para completar, o Oscar de Melhor Documentário foi para “O.J. Simpson: Made in
America”, uma minissérie de cinco episódios do canal pago ESPN.
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