Marcelo recebeu um novo coração no ano passado
Foto: Emily Almeida
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Segunda-feira, 6 de março de 2017, meia-noite. Uma
ligação nesse horário não é muito comum e pode, muitas vezes, representar uma
notícia ruim. No entanto, para o aposentado Marcelo Silva dos Santos, de 48
anos, ela significou um renascimento. Naquele dia, o morador de São Gonçalo, na
Região Metropolitana do Rio, soube que faria o transplante de coração tão
aguardado durante quatro anos. São histórias como essa que motivam e dão
esperança às cerca de duas mil pessoas que aguardam por uma cirurgia desse tipo
no Programa Estadual de Transplantes (PET) do Rio de Janeiro.
— Fiquei muito abalado com a doença. Chegou um dia em que
tive dificuldades até para escovar os dentes. Mas sempre confiei em Deus. Um
dia, minha hora ia chegar. Quando me ligaram, eu nem acreditei. A doação de
órgãos é um ato gratificante e bonito — diz ele, que sofreu durante quatro anos
de miocardiopatia dilatada, doença progressiva e sem cura em que o coração fica
grande e se torna incapaz de bombear o sangue para o corpo.
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Os números registrados no ano passado explicam a confiança de
Marcelo: foram 1.607 transplantes, sendo 965 de córnea, realizados no estado,
índice cerca de 43% maior do que o registrado em 2016. E mais: a quantidade de
doadores efetivos em 2017 também superou o do ano anterior — foram 247 contra
226.
Além disso, 2018 também traz números animadores. Janeiro,
por exemplo, teve 129 transplantes de órgãos e córneas. É a melhor marca
comparada ao mesmo mês em anos anteriores desde o início do programa, em 2010.
Já os procedimentos de coração puderam salvar 15 vidas. Em menos de sete meses,
o número já é maior do que os registros anuais desde 2010. Em maio deste ano,
cinco transplantes foram realizados no Rio, marca inédita para apenas um mês.
Vida
após a perda
O coordenador do programa, Gabriel Teixeira, explica que
os pacientes com indicação para transplante devem procurar um dos 48 centros
credenciados pelo estado, onde são avaliados e inseridos no sistema. A partir
de então, a pessoa se torna um candidato a receber um órgão. Gabriel comenta
que são poucas as contraindicações para ser um doador, como, por exemplo, ser
portador do vírus HIV ou ter tuberculose em atividade:
Gabriel Teixeira coordena o programa de transplantes
Foto: Maurício
Bazilio / SES / Divulgação
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— Alguns números, como o de transplantes de coração,
podem parecer baixos, mas para se ter uma ideia, ao longo de 2017, foram feitos
12 procedimentos cardíacos. Em 2016, essa diferença é ainda maior, pois
conseguimos apenas nove. Ou seja, em apenas um mês, realizamos um terço do que
foi feito em todo o ano de 2017.
Entre todas as decisões necessárias após a morte do
filho, a escolha pela doação de órgãos foi a mais fácil para a advogada Valéria
Albuquerque. João Rodrigo morreu aos 16 anos, após uma parada cardíaca, em
dezembro de 2015. Ele teve a síndrome de Guillain-Barré, condição rara e grave
que atinge o sistema nervoso. A dor da perda do único filho não foi capaz de
fazer Valéria abrir mão do ato de solidariedade.
Valéria autorizou a doação de órgãos do único filho, morto
há dois anos
aos 16 anos de idade
Foto: Emily Almeida
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— Eu e meu marido não cogitamos outra possibilidade que
não fosse a doação. Não precisamos nem pensar. Eu tenho certeza que essa também
seria a decisão do João Rodrigo, caso pudesse opinar. É uma questão de
solidariedade e alívio nos corações, em ver a vida do seu filho continuando em
outra pessoa.
Negativa
familiar é de 30%
A Secretaria estadual de Saúde aponta que um dos
principais desafios é diminuir o índice de negativa familiar, que no estado é
de cerca de 30%. Apenas no ano passado, mais de 230 órgãos deixaram de ser
doados. Os primeiros contatos são feitos pelas Comissões Intra-Hospitalares de
Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante.
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O sucesso do programa de transplantes depende
fundamentalmente da solidariedade das famílias, num momento de dor, além do
trabalho das equipes do programa e da estrutura dos hospitais. Na semana
passada, médicos do Hospital Federal de Bonsucesso (HFB), um dos principais
centros de transplante de rim do estado, suspendeu os procedimentos em função
da falta de um medicamento para evitar a rejeição do órgão. A direção da
unidade, no entanto, nega a denúncia e diz que conseguiu frascos do remédio
emprestados com outros hospitais.
Autorização
da família permite procedimento
Tecidos como córnea, ossos, pele e válvulas cardíacas
podem ser doados nos casos de mortes encefálica e resultantes de parada
cardíaca, diferentemente de órgãos como coração, fígado e rins, entre outros,
que só podem ser doadores os casos de morte cerebral. Após a captação, em até
seis horas após o falecimento, eles podem ser devidamente armazenados por até
14 dias, facilitando as cirurgias.
A secretaria tem outra conquista para comemorar. Após dez
anos, um pulmão foi novamente captado no Rio, no Hospital estadual Adão Pereira
Nunes, na Baixada Fluminense, em dezembro de 2017, e enviado a São Paulo.
O programa disponibiliza um site em que as pessoas que
querem se declarar doadoras podem se cadastrar, compartilhar a iniciativa e
imprimir o Cartão do Doador. Apesar de não ser um documento legal, uma vez que
só familiares diretos podem autorizar a doação, o cadastro visa a estimular as
famílias a discutirem o assunto. Para mais informações, a secretaria disponibiliza
o Disque-Transplante no número 155.
Extra
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