Delegado vê indícios de que jovem de
16 anos se envolveu no desafio Baleia Azul, lista de tarefas diárias que inclui
automutilação e morte do participante
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Maria de Fátima da Silva Oliveira, de 16 anos, que morreu ao
participar do jogo Baleia Azul na internet, em Cuiabá (MT)
Reprodução
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A morte da estudante Maria
de Fátima da Silva Oliveira, de 16 anos, que morava em Vila Rica, uma pequena
cidade a 1.270 km de Cuiabá (MT), lançou luz sobre uma brincadeira que está
preocupando os pais: o desafio da Baleia Azul (ou Blue Whale). Trata-se
de um suposto jogo de incentivo ao suicídio,
que teve origem nas redes sociais russas, em que adolescentes são previamente
selecionados para participar de um desafio de 50 dias, cumprindo tarefas
diárias que incluemautomutilação,
sendo a última delas a morte.
Para se ter uma ideia da proporção da brincadeira, só no YouTube são mais
de 25 mil vídeos sobre o jogo Baleia Azul. No Facebook
há dezenas de grupos fechados sobre o assunto, alguns em português e outros em
inglês. Há links de convites para as pessoas entrarem em grupos de WhatsApp.
Tudo num mundo paralelo aos olhos dos pais.
Maria de Fátima foi encontrada morta na
terça-feira (11) dentro de uma represa no bairro Inconfidentes, na região
central da cidade. Saiu de casa sozinha, vestindo apenas a roupa do corpo, por
volta das 3h15, enquanto pais e irmãos dormiam. Deixou o celular em cima da
cama (bloqueado com senha), não levou dinheiro. Antes de entrar na represa para
o mergulho sem volta, deixou os chinelos na beira.
A Polícia Civil da cidade abriu inquérito para investigar se
a morte da menina está, de fato, relacionada ao jogo que tem tirado o sono de
pais de adolescentes nas últimas semanas. De acordo com o delegado André
Rigonato, responsável pela investigação, nenhuma hipótese está descartada, mas
há fortes indícios de que a jovem tenha se envolvido nesse jogo: ela deixou duas
cartas onde falava sobre as regras e a cronologia das ações a
serem cumpridas e também apresentava alguns cortes nos braços e coxas.
“A investigação
ainda está no começo. Foi feita a perícia no local e solicitamos exames
necroscópico e toxicológico para atestar a causa da morte, para saber se ela
não usou nenhum medicamento ou alguma substância. Apreendemos as cartas para
análise e o celular da jovem. Pela dinâmica do caso, a princípio, tudo indica que
se trata de suicídio”, afirmou.
De acordo com Rigonato, ao menos dois grupos de WhatsApp da
cidade estão sendo monitorados pela polícia para tentar identificar
quem seriam os “curadores” da brincadeira. Induzir, instigar ou auxiliar o
suicídio é crime, com pena prevista de dois a seis anos de prisão. Além disso,
a Polícia Militar está preparando uma série de palestras educativas que serão
ministradas nas escolas da cidade a partir da semana que vem. O objetivo é
orientar os pais e professores a observarem os sinais e prevenir que outros
casos aconteçam.
Os sinais
Mônica Strege Médici, professora de ciências e biologia na
escola onde Maria de Fátima estudava, disse que a jovem era uma aluna excelente e raramente tirava notas abaixo de 8.
“Sem dúvidas, era uma das melhores alunas da turma. Adorava a disciplina e
fazia sempre as tarefas”, diz a professora. As amigas de sala, que pediram para
não se identificar, contam que ela costumava ser extrovertida, sorridente e
brincalhona, mas que vinha mudando o comportamento desde o final do ano
passado.
“Ela estava mais
introvertida, não sorria mais, não saía da sala de aula na hora do intervalo.
Não queria mais conversar, ficava só no mundinho dela. Uma vez chegou a dizer
que a vida não tinha mais sentido algum”, diz K.S., de 16 anos. “Ela nunca foi
superficial, sem dúvida, era das mais inteligentes. De repente, começou a ficar
calada. Estamos em choque”, afirmou J.M., outra amiga.
Dentro de casa
também havia sinais de que algo estava errado. Segundo Antônia Carlos da Silva,
de 39 anos, mãe de Maria de Fátima, a jovem tinha alguns cortes nos braços e
nas coxas há cerca de dois meses. Além disso, a mãe chegou a encontrar um papel
em que a estudante havia escrito com a própria letra regras a serem cumpridas,
como “abrace os seus pais e diga a eles que os ama”, “peça desculpas”, “tire a
sua vida”. O documento está com a polícia.
Antônia disse que em
nenhum lugar do papel havia referência ao jogo Baleia Azul, mas disse que tinha
uma cronologia a ser seguida. Assustada, ela chamou a filha para conversar
sobre o assunto. “Perguntei o que era aquilo e ela me respondeu que não era
nada. Que era uma bobagem. Disse: ‘você acha que vou me matar, mãe?’”, conta
Antônia. “Perguntei se ela precisava de ajuda e ela disse que não. Na hora, eu
preferi acreditar nela. Aquilo não podia estar acontecendo comigo”, diz a mãe.
Uma semana se passou
e Antônia continuava aflita, preocupada com a filha, que não dormia mais
direito e passava as noites acordada com o celular e o fone de ouvido.
Mas não sabia o que fazer. Na noite de segunda-feira (10), Antônia dormiu
antes das 22h. A filha estava no quarto, no celular. Paula, a irmã mais velha
que dividia o quarto com Maria de Fátima, também foi dormir. Acordou às 3h04
para desligar o ventilador. A irmã estava lá ainda, deitada, mas acordada.
Paula voltou a dormir, mas acordou novamente às 3h38, quando o celular tremeu
com uma mensagem de texto da operadora. Ao olhar para o lado, viu que Maria de
Fátima não estava mais na cama.
Antônia foi
acordada na madrugada pela filha mais velha, que avisou que a irmã tinha
fugido. “Não sei te explicar, mas naquela hora eu pulei da cama e meu coração
de mãe me disse que minha filha estava morta.” A família saiu de madrugada em
busca da menina, mas não a encontrou. Procurou a polícia, os amigos da escola,
o namorado, o Conselho Tutelar. À polícia o namorado disse que na noite de
segunda, por volta das 22h, Maria de Fátima tinha dito que “morreria afogada”,
mas ele não teria percebido que isso era um sinal.
Ainda na segunda-feira,
às 18h15, Maria de Fátima desbloqueou a irmã de uma rede social e mandou para
ela o áudio da música Trem Bala, de Ana Vilela. Em um dos trechos a música diz:
“Segura teu filho no colo, sorria e abraça os teus pais enquanto estão aqui,
que a vida é trem bala, parceiro, e a gente é só passageiro prestes a partir”.
Cinco dias antes, ela postou uma foto em uma rede social com a legenda “última
foto” ao lado de um emoticon chorando.
“Eu só quero que
outros pais não passem pela dor que estou passando. Que não chorem o que estou
chorando. Precisamos estar mais presentes na vida dos nossos filhos. Eu quero
que o caso da minha filha sirva de alerta, pois outros jovens podem estar
envolvidos nisso”, disse a mãe.
Aumento de casos
Segundo o psiquiatra
Daniel Martins de Barros, coordenador médico do Núcleo de Psiquiatria Forense e
Psicologia Jurídica do Instituto de Psiquiatria da USP, o número de suicídios
em jovens está aumentando em todo o mundo e ninguém ainda sabe explicar a
razão. Em 90% dos casos, diz, a pessoa tinha algum tipo de transtorno mental,
principalmente depressão.
Para ele, o suposto
jogo Baleia Azul é apenas o pano de fundo para um cenário de aumento de casos
de suicídio entre jovens que se repete há anos. “Há seis meses, o jogo do
momento era o da asfixia. Agora é o da Baleia Azul. Daqui a um tempo terá um
novo. Não estou dizendo que o jogo não existe, mas esquece o jogo. A questão
aqui é: o que vamos fazer para evitar? Esse é o ponto”, afirmou.
Para Barros, o
“pânico moral” criado em torno do suposto jogo reflete os medos dos próprios
adultos. “Esse pânico fala sobre nós, os pais. É o gap [lacuna] geracional.
Todo adulto sabe que não está dando a devida atenção para o jovem. E isso
demonstra a dificuldade que os pais têm de entrar no universo do filho”, diz.
Segundo Barros,
casos como esse chamam a atenção para a necessidade urgente de os pais saberem
identificar os sinais e buscar ajuda quando necessário. “Temos que quebrar o
tabu da depressão. Depressão é uma doença, como catapora, como pneumonia. Ao
perceberem sinais de mudança de comportamento nos filhos, busquem ajuda e
evitem o sofrimento. A depressão é tratável e curável.”
Veja
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