A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
(Alerj) aprovou, por unanimidade - 69 votos favoráveis -, na quarta-feira
(23/09), o projeto de resolução 433/20, que autoriza o prosseguimento do
processo de impeachment do governador Wilson Witzel. Esta foi a primeira sessão
de impeachment na história do Legislativo fluminense. A denúncia de crime de
responsabilidade, baseada em supostos desvios financeiros na área da Saúde,
será encaminhada ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio (TJRJ), que formará um
tribunal misto de julgamento - composto por cinco deputados e cinco
desembargadores - e definirá os ritos finais do processo com base na Lei
Federal 1.079/50.
A resolução será promulgada pelo presidente da
Alerj, deputado André Ceciliano (PT), e publicada no Diário Oficial do
Legislativo desta quinta-feira (24/09). Witzel será afastado por 180 dias após
a denúncia ser recebida pelo tribunal misto de julgamento.
O projeto aprovado é baseado no relatório do
deputado Rodrigo Bacellar (SDD), aprovado pela Comissão Especial da Alerj que
analisou o pedido de impeachment, na última quinta-feira (17/09). Durante a
sessão plenária desta quarta-feira, que durou mais de sete horas, 28 deputados
discursaram. Witzel preferiu fazer sua própria defesa por videoconferência.
A sessão foi semipresencial, com 45 deputados
participando do Plenário e outros 24 de forma virtual. O deputado João Peixoto
(DC) está licenciado por problemas médicos. O presidente André Ceciliano
comandou os trabalhos e ressaltou que todo o trâmite respeitou decisões
judiciais e foi baseado em entendimentos do Supremo Tribunal Federal (STF).
Ceciliano também afirmou que Witzel teve amplo
direito à defesa. “Este não é um dia feliz para o Estado do Rio. Não temos como
comemorar o fato de um governador eleito ser afastado do cargo por ter traído a
confiança de milhões de eleitores que o escolheram de forma democrática”,
destacou o presidente.
Defesa de Witzel
O governador Witzel falou durante uma hora e
nega todas as acusações. Witzel já havia enviado sua defesa à Alerj com uma
petição de 40 páginas e mais de 400 folhas de documentos anexos. Durante a
sessão, afirmou que é vítima de linchamento moral e pré-julgamento. “Com essa
decisão do parlamento nós estamos matando a nossa democracia, o bem mais preciso
e mais caro do estado democrático de direito. Até o presente momento não pude
fazer o meu amplo direito de defesa”, afirmou Witzel.
Ele afirmou ainda que não abrirá mão de seu
mandato e sua defesa. E que "o erro será reparado" em julgamento
técnico no Superior Tribunal de Justiça (STJ). "Não apareceu nada que
possa dizer que, minimamente, eu tenha dado orientações para fraudar a Saúde. E
é assim que estou sendo julgado e linchado politicamente, de forma muito triste
que a história há de reparar", disse.
O presidente Ceciliano respondeu às críticas
contra o Parlamento, reafirmando que o governador teve amplo direito de defesa
na Casa. “Não atropelamos o processo. O governador teve amplo direito de
defesa. Recorreu ao TJ, recorreu ao STF (Supremo Tribunal Federal),
questionando a formação da comissão. Os trabalhos chegaram a ser interrompidos
até a nova decisão daquela Corte. No fim, ficou claro que havíamos feito tudo
de forma correta”, lembrou.
Em seu discurso, Ceciliano também ressaltou
que o Parlamento Fluminense é o mais produtivo do país e que a Alerj não mede
esforços em economizar recursos e destiná-los para melhor atender à população.
Por fim, o presidente da Alerj reafirmou seu compromisso com o Estado do Rio e
com a governabilidade do governador em exercício, Cláudio Castro.
“Da minha parte, o Cláudio Castro sabe que tem
um aliado. Não dele, Cláudio, mas do Estado do Rio de Janeiro, da
governabilidade. Não farei nenhuma indicação - nem técnica, nem política - a
ele. Não quero nada do governo. Só quero que ele nos devolva nosso apoio
através de projetos, trabalho, eficiência, transparência, emprego, segurança,
educação, com respeito ao dinheiro público e às pessoas”, concluiu.
Denúncia
A denúncia contra Witzel foi protocolada pelos
deputados Luiz Paulo e Lucinha, ambos do PSDB, sendo baseada em supostos
desvios financeiros cometidos pelo governador na área da Saúde, sobretudo junto
a Organizações Sociais de Saúde (OSs) e na construção de hospitais de campanha
para combate à pandemia do coronavírus. A denúncia teve como base as Operações
Favorito e Placebo do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal
(PF).
O relatório aprovado pela comissão e
ratificado pelos deputados da Alerj na sessão desta quarta ressalta,
principalmente, a relação entre o governo Witzel com duas organizações sociais:
Unir Saúde e Iabas. O relatório pontua a confusão existente entre os reais
proprietários das duas empresas, uma vez que as investigações realizadas pelo
Ministério Público e pela Polícia Federal afirmam que ambas seriam na verdade
controladas pelo empresário Mário Peixoto. O relatório também cita que
investigações dos órgãos federais e a denúncia protocolada na Alerj apontam
indícios de recebimento de vantagens indevidas por Witzel através do pagamento
de honorários à sua esposa, Helena Alves Brandão Witzel. Nesse sentido, as
investigações apontam que a primeira dama teria sido contratada por cerca de R$
500 mil pela DPAD Serviços Diagnósticos LTDA, empresa que seria controlada,
segundo as investigações, por operadores ligados à Mário Peixoto.
Especificamente sobre a Unir Saúde, o
relatório ressalta a controversa requalificação da organização social, que
havia sido desqualificada por resolução conjunta das Secretarias de Estado de
Saúde e da Casa Civil, em outubro de 2019. Já com relação ao Instituto Iabas, o
relatório levanta a questão de irregularidades sobre a construção dos hospitais
de campanha para o combate da pandemia de coronavírus. O documento relacionou
indícios do Ministério Público Federal de suposta existência de orçamentos
fraudados para serviços de montagem e desmontagem de tendas, instalação de
caixas d'água, geradores de energia e piso para a formação da estrutura dos
hospitais de campanha. Leia a íntegra do relatório aqui.
Opinião dos deputados
Deputados de diferentes correntes partidárias
discursaram no plenário. Coautora da denúncia do impeachment, a deputada
Lucinha enfatizou que o pedido protocolado contra Witzel foi bem fundamentado.
"A maioria desta Casa entendeu que é preciso esclarecer o que está
acontecendo. Demos entrada no processo porque tínhamos conhecimento de que
Witzel estava cometendo crime de responsabilidade contra a população do Estado
do Rio. Ele é um juiz que não tem juízo. Desviou recursos que eram para ser
usados na compra de respiradores e na construção de leitos de UTI. As pessoas
morreram em casa porque não tinham acesso à UTI, pelo descaso do Estado",
lamentou a parlamentar.
Dani Monteiro (PSol) reforçou que seu partido
sempre foi contrário ao governo Witzel. "Este é um dia grave e histórico
no Parlamento Fluminense. Sempre fui oposição à necropolítica do governador.
Queria dedicar meu voto aos jovens mortos pelo Estado a partir da política de
insegurança que foi implantada. Para o PSol, este seria, por si só, um motivo de
impeachment. Para piorar, mais uma vez o estado está afundado em corrupção.
Logo o juiz que se elegeu dizendo que iria moralizar a política", afirmou
a parlamentar.
Já o deputado Rodrigo Amorim (PSL) disse que,
apesar de ter apoiado a eleição de Witzel, é um parlamentar independente.
"Em 2018, quando velhas figuras se apresentavam, tínhamos um juiz federal
com um discurso de mudança. No campo pessoal e institucional, fui um dos que
colaboraram e fizeram essa ligação de Witzel com a população nas ruas. Não me
eximo da responsabilidade, mas naquela eleição os rumos do Rio poderiam estar
sendo mudados. Sempre fui independente, votei a favor da rejeição das contas do
governo e sempre tive a independência para votar de acordo com as minhas
convicções como acontece neste momento. Não podemos aceitar a corrupção",
declarou Amorim.
O deputado Chicão Bulhões (Novo) destacou a
unanimidade do Parlamento em apoiar o impeachment. "Esta Casa não aceita
mais uma forma de operar a política que a população do Rio já disse mais de uma
vez que está exausta, que não aguenta mais. A população quer novos ares e isso
não significa só novos nomes. A população quer novas práticas. Vivemos uma
crise de liderança que vem se manifestado em sucessivos governos e esse não foi
diferente. Todos os indícios apontam para as relações espúrias deste governador
antes das eleições. A forma como ele chegou ao poder mostra as dívidas que ele
fez com o grupo político que quer mais uma vez assaltar o Rio de Janeiro",
afirmou.
Outro que discursou foi Carlos Minc (PSB), que
é o deputado com mais mandatos no Parlamento Fluminense. "É muito triste
que esta corrupção de vários governos tenha, neste momento, se concentrado na
área da Saúde, justamente em uma pandemia. Isso é muita irresponsabilidade. O
pior é que, depois do relatório, já aconteceram vários outros fatos. A
criatividade de quem faz o mal é assustadora", concluiu.
Trâmite do processo
A abertura do procedimento para apuração de
crime de responsabilidade do governador Wilson Witzel ocorreu durante sessão
plenária no dia 10 de junho, com a aprovação unânime dos deputados. Na prática,
a abertura do processo poderia ser uma decisão exclusiva do presidente da Casa,
que preferiu consultar seus pares. Após a abertura, foi instalada no dia 18 de
junho a comissão para analisar o pedido de impeachment e a denúncia protocolada
pelos deputados Luiz Paulo e Lucinha.
O grupo, composto por 25 deputados, de todos
os partidos com representação na Casa, foi validado por decisão do ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes no dia 28 de agosto,
após o rito do impeachment ter sido suspenso pelo presidente do STF, Dias
Toffoli, no dia 27 de julho, que atendeu ao recurso da defesa questionando a
formação da comissão especial. Na última quinta-feira (27/09), a comissão
aprovou parecer favorável ao prosseguimento do impeachment, decisão que foi
ratificada nesta quarta em plenário.
O trâmite segue os ritos da Lei Federal
1.079/50, que regulamenta o julgamento de crimes de responsabilidade, e a
interpretação do próprio STF na Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) 378, que orientou o rito de impeachment da presidente Dilma
Roussef, em 2016.
Atualmente, Witzel já está afastado
cautelarmente do cargo por decisão do STJ, após deflagração da Operação Tris In
Idem, no último dia 28 de agosto. Com a aprovação do prosseguimento do processo
de impeachment pela Alerj, a denúncia seguirá para o TJRJ e somente após o
tribunal misto de julgamento aceitá-la que Witzel ficará duplamente afastado -
pelo inquérito que responde no STJ e pelo processo de impeachment.
Próximos passos do processo de
impeachment
1- O resultado da votação em Plenário é
publicado no Diário Oficial do Legislativo;
2 - O Tribunal de Justiça do Estado do Rio
(TJRJ) é comunicado para dar início à formação do tribunal misto;
3 - Este tribunal será formado por cinco
deputados - eleitos pela Alerj - e cinco desembargadores - eleitos por sorteio
com critérios definidos pelo TJRJ;
4- Após o Tribunal Especial Misto receber a
denúncia começa uma nova etapa, onde o governador é afastado por até 180 dias
enquanto o tribunal analisa a questão. O presidente do TJRJ terá voto de
minerva caso haja empate sobre o impeachment no tribunal misto.
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